quarta-feira, 3 de novembro de 2021

O POVO MANCHINERI TRÍPLICE FRONTEIRA: BRASIL, BOLIVIA E PERU

O  POVO MANCHINERI TRÍPLICE FRONTEIRA: BRASIL, BOLIVIA E PERU.

Edilene Machado Barbosa ¹

RESUMO: O presente artigo trata do povo   Manchineri, na terra indígena Mamoadate no rio Acre e rio icuria, mas que viera, na região da tríplice fronteira amazônica, entre Brasil, Bolívia e Peru. Essa região se localiza a mais de 360 km de Rio Branco, capital do estado do Acre. Descrevemos as atuais ações desse povo indígena que tem sido protagonista de inúmeros fatos relevantes, tanto para eles próprios quanto para servirem de exemplos para outros povos, indígenas ou não, da região. Iniciamos com um breve resgate histórico arqueológico e, posteriormente, apresentamos as ações que embasam nossas reflexões sobre o protagonismo dos Manchineri no Acre. Procuramos apontar, especialmente, as conquistas Manchineri na área da educação, desde a primária até a pós-graduação; mostramos, também, que existem integrantes do povo Manchineri ocupando espaços da administração pública.

PALAVRAS-CHAVE:  Manchineri. Protagonismo. Fronteira.

INTRODUÇÃO

No texto a seguir, nós, autores, tivemos como objetivo apresentar o protagonismo dos  Manchineri , uma das muitas etnias indígenas do Brasil, mas que se encontram espalhados pela região da tríplice fronteira brasileira, na área do baixo Acre  Brasil, Peru e Bolívia . Essa etnia tem contato com os não indígenas mais de três séculos, provavelmente.

Os Manchineri têm atuado nessa região amazônica com certa proeminência em alguns aspectos sociais, sendo, relativamente, bem- sucedidos em suas interações com os outros grupos do entorno. Esse sucesso parece-nos se dar devido a um protagonismo baseado em suas características de ir à busca de seus objetivos.

Pensando nesse sentimento de sempre se aprofundar acerca da cultural dos Manchineri, de buscar o novo, decidimos realizar um levantamento sobre os aspectos mais destacados – a nosso ver – da atuação étnica na região. A respeito dessa etnia, observamos, desde há algum tempo, baseados tanto em relatos etnográficos como em bibliografias, tanto nas mais recentes quanto nas antigas, que a educação é uma área em que os  Manchineri têm sabido atuar e conseguido obter, em seu favor, a amplificação de suas conquistas, fator que indica um certo protagonismo local, entre as etnias da região, mas não apenas, sendo também exemplo de luta por melhorias para seu modo de vida; essas conquistas têm influenciado as ações de outros povos da região.

Para iniciarmos a escrita, partimos do que a ciência arqueológica já tratou sobre o protagonismo humano da África até chegarmos à região Por meio de pesquisas arqueológicas, baseadas em vestígios e marcas deixadas por esses grupos, sabemos que se multiplicaram etnicamente nessa parte do continente americano (GUAPINDAIA; PEREIRA, 2010), compondo um caldeirão de culturas ainda em estudos, a fim de se saber quantos foram e/ou são.

Todos eles, com alguma forma de protagonismo, deixaram seus modos de comunicar e suas marcas, influenciando os que viriam posteriormente. Algumas dessas marcas estão estampadas nas rochas da região amazônica (PEREIRA, 2003; JUSTAMAND, 2012, p. 62) e outras são marcas de grandes proporções, como os geoglifos (SCHAAN; RANZI; PÄRSSINEM, 2008). Sabemos, ainda, que nem a floresta, muito lembrada como natural, o é necessariamente, ou seja, ela existe como a conhecemos, provavelmente, devido à intervenção de mãos humanas (MAGALHÃES, 2016,

Antes da constituição do Brasil como Estado, tal como o conhecemos atualmente, houve o processo histórico conhecido como conquista europeia. Esta trouxe para todo o continente americano – mas, em especial, para o Brasil – outros formatos de vivência e de entendimento de mundo, que constitui a visão oriunda dos conquistadores. Essas formas produziram, na maioria dos casos, tensões, guerras e lutas entre os recém- chegados (conquistadores/outsiders) e os já estabelecidos, que se encontravam na região muito antes de 1500, os quais passaram a ser conhecidos como indígenas.

Muitas etnias indígenas foram dizimadas por doenças epidêmicas, para as quais não possuíam imunidade, tais como a varíola, trazida pelos europeus, bem como a malária e a febre amarela, pelos africanos (MEGGERS, 1987, p. 210).

 As lutas, as guerras e os modos de vida diferentes dos conquistadores em lidar com o meio ambiente e com os povos já estabelecidos geraram uma dizimação étnica sem precedentes na região amazônica, no país, no continente, quase pondo fim ao protagonismo indígena amazônico.

O protagonismo que queremos abordar no presente texto é, em especial, o dos Manchineri. Eles têm mantido relações com outros povos indígenas supracitados, mas também com toda a sorte de outros não índios, como os brancos, sempre visando à luta e à manutenção de sua territorialidade (OLIVEIRA, 2002). O contato com a cultura branca ocorre há mais de 100 anos na região em que habitam, no entanto, mesmo ocorrendo esse contato, eles mantêm inalterado seu modo de vida, como por exemplo, rituais, bem como têm conseguido se inserir na cultura do entorno.

 Fronteiras termo de difícil definição, na história moderna, o conceito foi intensamente associado à noção de soberania. A aparição da linha fronteiriça acompanhou o desenvolvimento da concepção moderna de espaço e participou do aperfeiçoamento da cartografia e das estratégias militares. Com o projeto colonial, a fronteira do Estado foi exportada para além da Europa e impôs-se ao planeta (Albaret-Schulz et al., 2004).

De modo especial, o mundo latino foi profundamente marcado por esse sentido, visto que a territorialidade foi definida como uti possidetis, em primeiro plano e considerado suficiente para retirar a posse de tupiniquins e depois, com as independências, como posse de soberanias republicanas. Neste sentido, lembrando os estudos de Boaventura de Sousa Santos, é possível com ele concordar quando Indica que:  

A zona fronteiriça é uma zona híbrida, babélica, onde os contatos se   pulverizam e se ordenam segundo micro hierarquias pouco suscetíveis de globalização. Em tal zona, são imensas as possibilidades de identificação e de criação cultural, todas igualmente superficiais e igualmente subvertíeis: (Santos, 1993: 49)

 

            Na perspectiva modernizante, uma fronteira é uma linha convencional que marca os confins de um Estado. As fronteiras podem ser delimitadas fisicamente (com muros ou cercas), embora não seja sempre esse o caso, daí se falar de convenção: os diferentes países acordam entre eles até onde chegam os seus respectivos limites; ao atravessar esse limite (a fronteira), entra-se no território do país vizinho, ferindo sua autonomia administrativa e subtraindo-lhe um valor físico e valor simbólico.

 Esta fronteira, por conseguinte, marca sua soberania. O governo de um país tem autoridade dentro dos limites das suas fronteiras. Aquilo que ocorre do lado de lá, ainda que seja a uns poucos metros de distância, está fora da sua competência territorial, desde que, não sejam comprometidos os seus interesses nacionais. Às fronteiras podem ser terrestres, mas também existem fronteiras marítimas, fluviais, lacustres (junto de lagos) e mesmo aéreas.

Devido ao fato de o povo Manchineri viver em fronteira, registra-se uma quantidade grande de pessoas que residem tanto no Peru quanto na Colômbia, de modo que esse povo se relaciona de forma saudável com indivíduos que moram no país estrangeiro, sem a preocupação do ir e vir, visto que muitos têm parentes nos dois países.

 Residir no Peru e na Bolívia, para os Manchineri, não é tão favorável, visto que esses países não oferecem aos povos indígenas os benefícios sociais que o Brasil concede, o que faz com que muitos migrem e naturalizem-se brasileiros; tal prática é comum na fronteira.

A situação linguística é estudada por pesquisadores, haja vista se tratar de uma língua que não possui tronco específico, tornando-se a única no país; por outro lado, é considerada complexa devido ao fato de possuir vários glosais que nasalizam palavras, fator que faz com que sua pronúncia se torne difícil.

CONSIDERAÇÕES FINAIS:

Tal como apontado anteriormente, os manchineri são habitantes do área do baixo acre rio Acre e icuria, no Amazonas, na fronteira do Brasil, Bolívia e Peru. Eles compõem o maior terra indígena de representação populacional de Assis Brasil. Mesmo após mais de quatro séculos de contato com a sociedade ocidental, esse povo ainda preserva sua cultura, lutando historicamente pela posse de sua terra, por atendimento à saúde, por educação e por sua afirmação cultural. Embora, por vezes, infelizmente, sejam aliciados por movimentos não indígenas da população envolvente.

A história da criação desse povo passa por um viés mitológico ímpar, fazendo com que tanto os rituais como as questões linguísticas sejam únicas, constituindo-se um diferenciador mundial. O seu território guarda um patrimônio cultural e mítico muito rico, capaz de chamar atenção de muitos pesquisadores.

Assim como foi apontado, a educação vem sendo conquistada de forma inconteste. Seja por meio da criação da SEE, que, em parceria com a Universidade federal do Acre (ufac) vem formando professores para atuarem nas escolas da rede de educação básica, seja com a presença de muitos estudantes universitários oriundos dessa etnia protagonista tanto no baixo Acre, como no Assis e na região fronteiriça tríplice.

Eles têm ainda um espaço privilegiado destinado à guarda patrimonial de seus artefatos históricos. Ali também se concentra o registro de suas primeiras comunidades, bem como os utensílios utilizados por eles. É sempre importante frisar a preservação da língua materna.

 REFERÊNCIAS:

ADOVASIO, J. M.; PAGE, Jake. Os primeiros americanos. Em busca do maior mistério da arqueologia. Rio de Janeiro: Record, 2011.

AUXILIADORA, Maria. Turma de educação superior indígena do Alto Solimões - AM. Fotografia digital. Acervo pessoal da autora. Jun. 2010.

ARISI, Bárbara; MILANEZ, Felipe. De índios isolados a ignorados: conflitos no Vale do Javari, AM. In: JUSTAMAND, Michel; RODRIGUES, Gilse Elisa; CRUZ, Tharcísio Santiago (orgs.). Fazendo Antropologia no Alto Solimões: diversidade étnica e fronteira. Embu das Artes: Alexa Cultural, 2016. p. 37-66.

COELHO, Marco Antonio. Warwick Kerr: a Amazônia, os índios e as abelhas. In: Estudos avançados. Dossiê Amazônia Brasileira I. USP. Instituto de Estudos Avançados, vol. 1, n. 1, São Paulo: IEA, 2005.

ELEUTÉRIO, Nídia Arcanjo. Formação de Professores Bilíngues do Alto Solimões. Trabalho de Conclusão de Curso (Habilitação em Letras) - Curso de Educação Escolar Indígena, Universidade do Estado do Amazonas, 2011.

GUAPINDAIA, Vera; PEREIRA, Edithe (Orgs.). Arqueologia Amazônica. v. 1. Belém: MPEG; IPHAN; SECULT, 2010.

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