segunda-feira, 27 de setembro de 2021

Uma “tradução” de Fozi Lady: “la gran agua/huaca

 

Foz pode ser assumida como a boca do rio, ou ainda um espaço onde um corpo de água desagua em outro corpo de água. Isso me pareceu muito provocativo, à medida que o contato com Fozi Lary possa ser “inventado” como um espaço de fabulação déltico em que se gesta a desembocadura de diversos percursos, de diversas veredas que produzem um potente ruído, ou seria melhor dizer, um “soluço” que ecoa, perpetua movimentos, águas de águas, que são definidas como diferença: rios, lagos, lagoas, riachos, igarapés, mares, oceanos, mas que, doces e salgadas seguem sendo líquidas, mutantes, vibrantes, como veias por entre as pedras fecundas. Minha “leitura/tradução” de Fozi Lady encontra aí a força de “uma abertura sagrada” como das bocas-huacas. Sagrada no sentido de fecunda e impossível de aprisionar, limitar ou encerrar. A performance que se oferece nesse espaço liminar criador permite o trânsito-encontro de diversos fragmentos que inventam a Vallejos múltiplos, invenções talvez, similares em alguma medida ao retrato-invenção que Picasso houvera produzido de um certo Vallejo, a quem ele nunca houvera visto em carne, mas a quem inventara por três vezes distintas a partir da invenção da mirada de outros, que permitiram em alguma medida uma conexão a partir de uma relação poética, criativa e sempre movente, sempre juguetona. Fozi Lary parece oferecer essa provocação a partir do jogo, já que seu título também professa essa lógica de foz, desaguam aí, desde o início, possibilidades diversas de relação e movimento. O personagem assina desde uma foz inventada pela geografia e pela demarcação de uma territorialização: Foz do Iguaçu. Esse topônimo guarda e oferece, esconde e mostra os rastros, os fragmentos de outras aguas que subjazem, ou que se “encabritan” e promovem rasuras, fendas, bocas que se abrem, cuencas que permitem o contato com fissuras, muitas vezes “lidas como “hipos” pela obsessão monocorde do totalitário, do universalizante. Gosto desse jogo porque posso assumir que ao sonorizar Foz do Iguaçu, toco com minha língua outras línguas, que não reconheço como minhas, ao mesmo tempo que faço minha uma língua que é minha desde sempre, alguma coisa minha que é também rapinhada, e no jogo perigoso e gozoso de esquecer/lembrar, mostrar/ocultar minha língua se une à liquidez de diversas outras línguas que dizem então “água (s) grande (s) ” (significado de Iguaçu em tupi-guarani).

Essa reunião, essa “desembocadura” germinante de possibilidades permite que “foz” faça também alusão a”fox”, especialmente à “foxy lady/fozi lady”, que poderia ser traduzida literalmente como senhora raposa, mas que alude a uma figura feminina bela, sensual, mas cujo termo, “fox”, ‘foxy”, me remete ainda a outro termo, “zorro”, mimetizando, ou melhor dito, “inventando” a mesma lógica da foz, movimento constante de liquidezes que desembocam em outras liquidezes que constantemente se deslocam, termos que desembocam em outros termos e permitem a invenção de um caminho que leva à movência, a uma dança que apresente uma negação do universo dicotomizado e limitante de um certo ocidentalismo e me permita um contato com os rios-caminhos dos zorros de arriba y de abajo de lo Andes, serpenteantes caminhos que conduzem a relações outras. Foxi Lady permite assumir a invenção serpenteante de Vallejos diversos que vão desenhando performativamente (des)caminhos  que me permitem ler essas páginas, como páginas-palavras-huacos, que talham diversas faces de Vallejo, todas palavras-água, permitindo afrouxar e “desfiar” raízes, conduzindo-nos a um olhar às diversas relações que resultam desses percursos-performances. Fozy Lary poderia ser uma huaca metafórica en donde es posible que depositemos nuestras “zorras de oro”, nuestras palavras-ofrendas para celebrar este linguaje, de esta garganta de agua, un hipo que impele a perfomar sonidos de chorro, de aguas que desembocan en otros cuerpos de carne, de sonido y de dibujos, siempre invenciones que alargan los caminos y alimentan las gargantas hambrientas de nuestra imaginación, que de alguna manera nos permite inventar una relación con nuestra levadura de sol, con las vértebras que nos permiten movimientos de baile y celebración desde la espina de la cordillera.

LEvaDURas (po)éticAS (Suerda)

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