Foz
pode ser assumida como a boca do rio, ou ainda um espaço onde um corpo de água
desagua em outro corpo de água. Isso me pareceu muito provocativo, à medida que
o contato com Fozi Lary possa ser “inventado”
como um espaço de fabulação déltico em que se gesta a desembocadura de diversos
percursos, de diversas veredas que produzem um potente ruído, ou seria melhor
dizer, um “soluço” que ecoa, perpetua movimentos, águas de águas, que são
definidas como diferença: rios, lagos, lagoas, riachos, igarapés, mares,
oceanos, mas que, doces e salgadas seguem sendo líquidas, mutantes, vibrantes,
como veias por entre as pedras fecundas. Minha “leitura/tradução” de Fozi Lady encontra aí a força de “uma
abertura sagrada” como das bocas-huacas. Sagrada no sentido de fecunda e
impossível de aprisionar, limitar ou encerrar. A performance que se oferece
nesse espaço liminar criador permite o trânsito-encontro de diversos fragmentos
que inventam a Vallejos múltiplos, invenções talvez, similares em alguma medida
ao retrato-invenção que Picasso houvera produzido de um certo Vallejo, a quem
ele nunca houvera visto em carne, mas a quem inventara por três vezes distintas
a partir da invenção da mirada de outros, que permitiram em alguma medida uma
conexão a partir de uma relação poética, criativa e sempre movente, sempre
juguetona. Fozi Lary parece oferecer
essa provocação a partir do jogo, já que seu título também professa essa lógica
de foz, desaguam aí, desde o início, possibilidades diversas de relação e
movimento. O personagem assina desde uma foz inventada pela geografia e pela
demarcação de uma territorialização: Foz do Iguaçu. Esse topônimo guarda e
oferece, esconde e mostra os rastros, os fragmentos de outras aguas que
subjazem, ou que se “encabritan” e promovem rasuras, fendas, bocas que se
abrem, cuencas que permitem o contato com fissuras, muitas vezes “lidas como “hipos”
pela obsessão monocorde do totalitário, do universalizante. Gosto desse jogo
porque posso assumir que ao sonorizar Foz do Iguaçu, toco com minha língua outras
línguas, que não reconheço como minhas, ao mesmo tempo que faço minha uma
língua que é minha desde sempre, alguma coisa minha que é também rapinhada, e
no jogo perigoso e gozoso de esquecer/lembrar, mostrar/ocultar minha língua se
une à liquidez de diversas outras línguas que dizem então “água (s) grande (s)
” (significado de Iguaçu em tupi-guarani).
Essa
reunião, essa “desembocadura” germinante de possibilidades permite que “foz”
faça também alusão a”fox”, especialmente à “foxy lady/fozi lady”, que poderia
ser traduzida literalmente como senhora raposa, mas que alude a uma figura
feminina bela, sensual, mas cujo termo, “fox”, ‘foxy”, me remete ainda a outro
termo, “zorro”, mimetizando, ou melhor dito, “inventando” a mesma lógica da
foz, movimento constante de liquidezes que desembocam em outras liquidezes que
constantemente se deslocam, termos que desembocam em outros termos e permitem a
invenção de um caminho que leva à movência, a uma dança que apresente uma
negação do universo dicotomizado e limitante de um certo ocidentalismo e me
permita um contato com os rios-caminhos dos zorros de arriba y de abajo de lo
Andes, serpenteantes caminhos que conduzem a relações outras. Foxi Lady permite assumir a invenção
serpenteante de Vallejos diversos que vão desenhando performativamente (des)caminhos
que me permitem ler essas páginas, como
páginas-palavras-huacos, que talham diversas faces de Vallejo, todas
palavras-água, permitindo afrouxar e “desfiar” raízes, conduzindo-nos a um
olhar às diversas relações que resultam desses percursos-performances. Fozy
Lary poderia ser uma
huaca metafórica en donde es posible que depositemos nuestras “zorras de oro”,
nuestras palavras-ofrendas para celebrar este linguaje, de esta garganta de
agua, un hipo que impele a perfomar sonidos de chorro, de aguas que desembocan en
otros cuerpos de carne, de sonido y de dibujos, siempre invenciones que alargan
los caminos y alimentan las gargantas hambrientas de nuestra imaginación, que
de alguna manera nos permite inventar una relación con nuestra levadura de sol,
con las vértebras que nos permiten movimientos de baile y celebración desde la
espina de la cordillera.
LEvaDURas (po)éticAS (Suerda)
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