segunda-feira, 27 de setembro de 2021

Brevíssima análise do poema Huaco, de César Vallejo

O poeta nasceu em Santiago de Chuco, região andina localizada ao norte do Perú. Sua descendência origina-se de espanhóis e indígenas. No final do ano de 1917, Vallejo escreveu seus primeiros poemas, que deu origem ao seu primeiro livro: Los heraldos negros, impresso em 1918 e lançado em 1919.

Neste livro encontramos um Vallejo que estava em formação, buscando uma escrita que esbanjasse sentimentos nas palavras, e não para serem traduzidas. Dentre os poemas deste livro, destaca-se aqui o poema Huaco:


Yo soy el coraquenque ciego

que mira por la lente de una llaga,

y que atado está al Globo,

como a un huaco estupendo que girara.


Yo soy el llama, a quien tan sólo alcanza

la necedad hostil a trasquilar

volutas de clarín,

volutas de clarín brillantes de asco

y bronceadas de un viejo yaraví.


Soy el pichón de cóndor desplumado

por latino arcabuz;

y a flor de humanidad floto en los Andes,

como un perenne Lázaro de luz.


Yo soy la gracia incaica que se roe

en áureos coricanchas bautizados

de fosfatos de error y de cicuta.


A veces en mis piedras se encabritan

los nervios rotos de un extinto puma.


Un fermento de Sol;

!levadura de sombra y corazón!


Na construção de suas nuanças poéticas, Vallejo faz uso de uma linguagem que condensa suas origens com a germinação de sensações que borbulham a violência, representações andinas e indigenistas, típicos de sua primeira fase. Interessante no poema é que o título Huaco está intimamente ligado as peças de cerâmicas indígenas pré-colombianas, assim como a apresentação da figura mítica do coraquenque, na primeira estrofe, ave mítica com cores vívidas. 

Segundo Carolina Valenzuela Martínez (2007, grifo do autor) “el coraquenque, que en quechua designa a un pájaro cuyas se usaban como símbolo de la realeza en el tocado de los incas”. Como representação da realeza que olha para um futuro sombrio que lhe aguarda, um ‘huaco’ onde será enterrado.

Na segunda estrofe, a ideia de morte, de violência se intensifica ao trazer a figura da llama como ser que é tosquiado para ornamentar os clarins, clarins estes que musicalizam o asco da tragédia, da melancolia que é cantado em forma de yaraví (canto melancólico de índios peruanos), exclamando no brilho metálico a tristeza diante dos acontecimentos, clarins que anunciam a tragédia.

Já na terceira estrofe, têm-se o romper da liberdade, onde o condor, ave esplendorosa que paira sobre os andes, imagem do mundo inca é alvejado, desplumado pelos invasores que impõem o terror através dos arcabuzes. Mas aqui, na terceira estrofe, o eu-lírico acende uma réstia de esperança ao trazer a figura de Lázaro (figura cristã ressuscitada por Jesus Cristo), e é nessa figura que o eu-lírico lança a luz perene que resgata a humanidade pairando sobre os Andes, uma flor de esperança incaica.

 Na quarta estrofe, o eu-lírico caminha para o desfecho se colocando como uma entidade sobrenatural, uma “gracia incaica”, que pouco a pouco vai desaparecendo entre os templos que os colonizadores trouxeram consigo, destituindo os templos do sol de Cusco, os quais vão sendo resignificados, esquecidos como local tomado de fosfato e cicuta, um sinal da morte de uma cultura e uma crença. E com isso, a raiva que brota de sua própria essência que emerge entre as pedras áureas da coricancha.

Por fim, na última estrofe, “Un fermento de Sol; / levadura de sombra y corazón!”, o eu-lírico se apresenta como um ser que ainda existe, um sol que compartilha a tristeza e o sentimento sobre o acontecido. Uma tríade que percorre todo o poema: O sol que está para todos, mas que a sombra cobre poucos provocando o sentimento de perda e definhamento frente a histórica imposição do estrangeiro que engoliu os incas.

A presente leitura do poema Huaco é uma das possibilidades que nos leva a olhar para o horizonte e enxergar apenas a ponta do iceberg, enquanto que outros olhares também podem se fazer presente. Tudo vai depender do grau de conhecimento e da forma de olhar os signos que se moldam no poema de Vallejo.


Referencia

* VALENZUELA MARTÍNES, Carolina. La recuperación del legado incaico precolombino en Los Heraldos Negros de Cesar Vallejo y en la obra pictórica de Fernando de Szyszlo. Publicado em: 06 jul. 2007. Critica.cl | ISSN 0719-2088 | Año XXV. [Red Latinoamericana de Revistas Académicas en Ciencias Sociales y Humanidades LatinREV]. Disponível em: http://critica.cl/artes-visuales/la-recuperacion-del-legado-incaico-precolombino-en-los-heraldos-negros-de-cesar-vallejo-y-en-la-obra-pictorica-de-fernando-de-szyszlo. Acesso em: 23 set. 2021.

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